O vídeo Huaraz – Peru faz parte da Série Viaje Comigo e vai levar você a conhecer mais sobre este maravilhoso destino.
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Nossa viagem pelo Peru continua. Hoje vamos conhecer a região de Huaraz, onde está a cordilheira Branca. No caminho, fizemos um parada para conhecer Caral, uma das ruínas mais antigas de todo continente americano. Abaixo separei alguns trechos de nosso diário de bordo desta viagem feita em 2008. Espero que gostem. Boa viagem!
Ontem saímos muito, muito cedo de Lima em direção a Huaraz, capital da província de Ascash. Parte do caminho foi pela costa, passando por pequenas cidades e longos trechos de puro deserto. Em certo ponto, viramos em direção às montanhas com o objetivo de chegar a Caral, as ruínas da civilização mais antiga de que se tem notícia nas Américas. Descoberto nos anos 50 e explorada somente agora, Caral é um jóia arqueológica com 5 mil anos de idade e composta por 9 pirâmides escalonadas, a maior delas com quase 30 metros de altura. O lugar ainda está sendo escavado e a cada dia se fazem novas descobertas.
Huaraz está localizada no Callejon de Huaylas, um lugar onde a Cordilheira dos Andes de divide em duas. De um lado segue a Cordilheira Negra, com picos que se elevam até os 5.800 metros, todos sem neve. Do outro lado está a Cordilheira Branca com 32 picos acima dos 6 mil metros e coberta de neve eterna e glaciares. O mais alto deles é o Huascaran com 6.768 metros, a terceira maior montanha das Américas. Entre as duas cadeias de montanhas corre o rio Santa, que traz vida e prosperidade às inúmeras vilas do vale. A Cordilheira Negra é essencial para a existência da Branca, pois é ela que recebe e absorve o ar quente e salgado que vem do oceano. Quando recebe neve, esta não dura mais do que dois dias. Ela serve de proteção para a Cordilheira Branca onde a neve nunca desaparece.
Huaraz, a principal cidade do vale e capital do estado de Ancash tem hoje 80 mil habitantes. E a cidade base para as centenas de turistas que chegam para visitar a região ou para praticar escalada e trekking. São 38 diferentes trilhas que cortam cânions e vales das duas cordilheiras. Sentimos os efeitos da altitude assim que chegamos. O Soroche, com é chamado o mal das alturas, produz mal estar, enjôo, dor de cabeça e até desmaios. A melhor maneira de evitá-lo é fazer refeições leves, caminhar devagar, beber muita água e tomar constantemente o chá de folha de coca. Ao contrario do que muitos pensam, a folha de coca não é alucinógena e não tem efeitos colaterais. Pode também ser mascada. Usada a milhares de anos pelos povos andinos é praticamente uma instituição andina. Sem ela é muito difícil fazer alguma atividade por aqui.
Passamos por várias vilas, algumas delas com grandes feiras dominicais. Na vila de Yuncay, decidimos conhecer um delas e percorremos as barracas em busca de produtos da região e pessoas com vestimentas típicas para fotografar. Não era fácil, pois ou as pessoas viravam os rostos ou pediam “propina” (gorjeta) para se deixar fotografar. Mesmo assim conseguimos boas fotos. Descobrimos que as feiras não são feitas para turistas estrangeiros, normalmente mais altos que população local. A todo o momento eu ficava enroscado em tendas baixas e fios que cruzavam a rua a 1,70 m de altura (tenho 1,86). Tive que ter muita atenção para não levar um choque ou morrer enforcado. Em certo momento, vi uma senhora vendendo raspadinha de gelo. Até aí nada de mais. O inusitado é que o gelo não era produzido na cidade e sim trazido de um glaciar a quase 5 mil metros de altura. Retirado com picareta e transportado em lombo de burro, demorava 2 dias para chegar até a feira. Era um pedaço de gelo formado há centenas de anos que virava uma raspadinha de 80 centavos. Incrível!
Nossa visita à feira foi na verdade na vila de Nueva (nova) Yungay. A velha (Yungay) já não existe mais, se transformou em um enorme cemitério. Vou explicar: Em 31 de Maio de 1970 houve um grande tremor na costa peruana. Este tremor alcançou os Andes e causou vários desmoronamentos. O maior deles foi a queda de uma parte do cume do Huascaran. Em 5 minutos, uma torrente com 57 milhões de metros cúbicos de rochas, água e gelo desceu pelo vale arrasando tudo o que encontrava no caminho. E no caminho estava a cidade colônia de Yungay, na época com 28 mil habitantes. Em segundos tudo foi coberto por lama e gelo matando, quase que instantaneamente, 25 mil pessoas. Da cidade original, ironicamente, a única que sobrou foi o cemitério, construído em cima de uma colina. Ali foram encontrados cerca de 80 sobreviventes que tiveram tempo de se refugiar. Como não havia como resgatar os mortos, todos foram deixados no local onde morreram soterrados e a área da antiga cidade convertida em um gigantesco cemitério. Ao caminhar por entre as rosas plantadas e as cruzes colocadas sobre onde antes existiam casas, sentimos uma sensação estranha. Ainda se pode ver os restos da igreja e 4 das 36 palmeiras da praça principal enterradas sob 5 metros de terra. Um ônibus literalmente dobrado em dois é uma das poucas evidencias visíveis da força da natureza. Enormes pedras brancas trazidas do alto da cordilheira jazem por toda parte como testemunhas silenciosas da tragédia. Enquanto gravávamos a Sandra gritou: Avalanche! Olhamos para traz assustados a tempo de gravar uma enorme avalanche de gelo no cume do Huascaran. Ficamos em silencio e apreensivos enquanto víamos aquela enorme nuvem branca descer até a base do glaciar. Ufa, foi só uma pequena amostra do que aconteceu há 38 anos atrás.
Passado o susto, subimos em direção ao Parque Nacional Huscaran, mais precisamente a Quebrada de Llanganuco, entre o Huascaran e Huandoy com 5.793 metros. Subimos pelo vale por uma estrada sinuosa até 4 mil metros onde paramos em um mirante. Dali pudemos observar quatro grandes nevados, todos acima dos 6 mil metros e o vale abaixo com dois grandes lagos. Ao descer, notamos que por toda a volta havia grandes pedras que rolaram do alto dos paredões de granito durante algum dos vários terremotos da região. Passamos por um desmoronamento que havia matado 15 turistas Checoslovacos. No vale paramos em duas lagoas para fotografar e admirar sua beleza. A primeira foi Orconconcha, com águas esverdeadas e com muitas aves. A segunda, Chinanconcha, tinha águas azul-turquesa devido à sua origem glaciar. Pareciam pintadas no Photoshop. Suas margens estavam cheias de Polilephis, uma árvore andina também conhecida com árvores-folha, pois seu tronco descasca como folhas de papel.
Por volta das onze horas chegamos a Chavin de Huantar, onde estão as principais ruínas da civilização Chavin. Este povo foi a primeira civilização andina e surgiu por volta do ano 1.500 a.c. É considerada até hoje a civilização matriz de outras culturas andinas, inclusive dos Incas. Isto aconteceu porque os povos que viveram posteriormente absorviam os conhecimentos do povos conquistados, usando muitas das suas técnicas de arquitetura, assim como conhecimentos matemáticos e de astronomia.
As ruínas de Chavin de Huantar é a mais bem preservada, embora tenha sido muito danificada pelas intempéries ao longo dos anos. Chavin era um centro religioso e de peregrinação. O povo vinha até ela para apresentar oferendas e para saber previsões sobre a lavoura e a sorte. Os Chavin eram um povo religioso e destemido e ficaram conhecidos por não se entregar facilmente aos seus invasores. Suas gravuras mostram sacrifícios humanos, desmembramentos e mutilação de prisioneiros. As ruínas de seus palácios e cidades estão espalhadas principalmente pela região norte do Peru. A principal delas é a que visitamos hoje, o complexo arqueológico de Chavin de Huantar, repleto de labirintos, pirâmides e templos. Há muitas câmaras e passagens subterrâneas. Em uma delas encontramos o totem de um ídolo muito bem preservado. Uma das características destas ruínas é presença de “Cabezas Clavas”, figuras de pedra com feições felinas incrustadas nas paredes. Até hoje não existem pistas sobre as razões de sua decadência por volta do ano 500 D.C.
O dia começou com sol e logo cedo saímos para uma viagem de 80 km até o Glaciar Pasto Ruri, nossa última parada na cordilheira Branca. Assim que saímos da rodovia principal e entramos no desvio de terra, um imenso e verde vale pontilhado de carneiros e vacas surgiu à nossa frente. Começamos então a subir até a entrada do Parque Nacional Huscaran (Setor Carpa) que fica a 4.200 metros de altura. Entramos então em outro vale cercado de altas montanhas. Pelas marcas deixadas nas paredes rochosas (chamados de morenas) não foi difícil perceber que todo o vale havia sido esculpido pelo gelo de glaciares em um passado remoto. Viemos para este parque justamente para registrar como os glaciares e as neves eternas estão sendo afetadas pelo aquecimento global. A ausência de glaciares em algumas regiões do vale já denunciava que algo grave esta acontecendo.
Subimos pela estrada sinuosa até avistarmos o glaciar Huarapasca, com sua franja branca pendendo a 6 mil metros sobre o vale. Olhando a sua volta, logo notamos quanto ele recuou do seu tamanho original. Mesmo assim ainda é um espetáculo impressionante de se ver. A Sandra saiu do veiculo literalmente em lágrimas, emocionada com tanta beleza reunida em um só lugar. Eu fiquei tão desnorteado ao vê-la chorar que esqueci de gravar seu depoimento espontâneo, mas suas palavras irão ficar guardadas comigo para sempre.
Esta parte do Parque Nacional de Huascaran é bem diferente da outra que visitamos dias atrás em Yungay. Lá estávamos cercados de altas e imponentes montanhas, porém muito abaixo do nível da neve. Aqui, no setor Carpa a estrada segue na altura dos glaciares e muito mais perto do gelo. Desta maneira, podemos perceber toda a força da natureza contida nestes rios gelados. Para mim, a impressão causada por um glaciar é semelhante a de estar aos pés das Cataratas do Iguaçu, embora o glaciar expresse sua força em silêncio.
Seguimos cada vez mais para o alto até 4.800 onde tivemos que deixar nosso transporte. O tempo começou a esfriar, então compramos de uma vendedora local luvas e gorros.
O glaciar Pastoruri já era bem visível acima de nossas cabeças. Faltavam ainda quase 2 km de trilha e 200 metros de altitude para chegar até sua base. Já aclimatados, não tivemos problemas com a altitude. O tempo começou a fechar e para economizar tempo (e energia) alugamos cavalos para fazer parte do percurso. Depois de um ponto os cavalos não puderam mais seguir e completamos os últimos 600 metros a pé. Nesta altitude, este pequeno trecho nos tomou um tempo considerável, tanto porque tínhamos que caminhar lentamente para não sofrer as conseqüências do Mal da Altura (Soroche), tanto porque gravamos em detalhes toda nossa escalada.
No meio da caminhada começaram a cair pequenos flocos de gelo, o que foi uma surpresa a todos. Ninguém esperava por isto. Conforme avançamos os flocos começaram a aumentar e o vento soprar mais forte. Quando chegamos a base do glaciar a temperatura havia caído para 5 graus negativos e a neve caia em abundância. Vocês acham que alguém reclamou? Que nada, adoramos! Não contávamos com uma nevasca nesta viagem e nem com tanto frio. Apesar disto, estávamos bem preparados com nossas jaquetas da Timberland que provaram ser bem eficientes até em temperaturas negativas. Ninguém passou frio.
Debaixo da nevasca fizemos todas as gravações e fotos que precisávamos. Também verificamos o retrocesso deste glaciar que serve de referência para todos os glaciares do parque. Para você ter uma idéia, o glaciar Pastoruri tem perdido massa de gelo na razão de 10 metros por ano. Segundo os cientistas, esta média deve aumentar na próxima década chegando à marca de 20 metros por ano. Parece pouco, mas representa uma quantidade enorme de gelo. Neste passo o glaciar logo desaparecerá e com ele grande parte dos glaciares da Cordilheira Branca. Pudemos hoje ver “in loco” os efeitos das nossas atitudes em relação ao meio ambiente. Temos que reverter este quadro. Quero que meu neto um dia venha ao Peru e veja as mesmas belezas que estou presenciando hoje.
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